Falar de seu escritório na década de 70, para a SECRETÁRIA B, é lembrar de uma sala pequenina, com um conjunto de poltronas onde recebia as visitas. Tinha uma mesa e uma máquina de escrever elétrica, além de um armário enorme para guardar todo tipo de formulário, como por exemplo, de requisição, de pedido, para correspondências, cópia de cartas e papel carbono. “[...] era o papel carbono de lápis, papel carbono de máquina, e aquele armário enorme para guardar todos os formulários. [...] Tinha, além de minha máquina de escrever, um telefone, e era isso..”
[...] a minha primeira máquina de escrever era manual, preta, acho que hoje em algum museu ainda existem daquelas máquinas de escrever, bem antigas [...].”(SECRETÁRIA A). Recorda, com muita honra, ter feito o curso de datilografia e recebido o respectivo diploma.
A maioria do tempo de trabalho do secretário era utilizada para a datilografia ou reprodução de documentos, muitos dos quais em quatro, cinco, seis vias. Era preciso usar papel de carbono, muito cuidado e paciência, porque qualquer erro na datilografia anulava tudo o que já tinha sido datilografado. Não existia ainda o corretivo, somente o lápis-borracha. Apresentar um trabalho organizado e limpo, dentro de um lay-out esmerado, nem sempre era muito fácil.
Para a reprodução de circulares, convocações, anúncios, relatórios, instruções que demandavam um número maior de cópias, e que não eram possíveis com papel carbono, utilizava-se o mimeógrafo. Era uma máquina duplicadora de documentos, custo baixo, que permitia a reprodução de centenas de cópias com a mesma matriz, que era o stencil.
Como tantos outros profissionais - e aqui mais especificamente entendidos os que atuam nos escritórios - o secretário executivo teve suas atividades ditadas e sistematizadas pela escola da eficiência e do processo administrativo. Praticamente todas as técnicas de secretariado, ou seja, os métodos para a execução das principais atribuições diárias, ainda continuam assentadas nos princípios da escola da eficiência.
Os cronômetros, que invadiram as organizações por força dos estudos de tempos e movimentos propostos e implantados pelo movimento da administração científica, não pouparam os trabalhos do secretário executivo. Sua eficiência era medida pelos cronometristas, que, colocando-se ao seu lado, cronometravam o tempo versus o número de caracteres batidos à máquina de escrever e, consequentemente, a quantidade de documentos datilografados por dia. Sua eficiência, também, era verificada durante o ditado, quando se concentrava no que estava sendo ditado, fazendo a anotação rapidamente, pela taquigrafia, evitando interrupções e comentários.
A SECRETÁRIA A teve seu primeiro contato com a máquina de escrever elétrica, uma IBM, quando começou a trabalhar como secretária executiva, em 1969, e lembra com certa emoção: “Foi uma máquina IBM elétrica. Eu nem conhecia esse tipo de máquina de escrever. Então, quando veio novinha na caixa, meu Deus do céu, como eu sou poderosa, vou ter uma máquina elétrica.”
O surgimento do telex, no início dos anos 70, revolucionou o trabalho do secretário executivo e dos demais profissionais de escritório, acelerando o processo de comunicação entre clientes internos e externos. A maneira como esta tecnologia foi apresentada à SECRETÁRIA A merece uma atenção especial, pois vem confirmar que, costumeiramente, a maioria das novidades em tecnologias do escritório, antes de chegarem às mãos de outros empregados da organização, chegam ao secretário executivo, para serem testados. Só depois são instaladas e disponibilizadas em outros departamentos. Por quê? Pela sua capacidade para aprender a lidar com as novidades e, dependendo do caso, servir de instrutor e facilitador aos colegas de trabalho. Medeiros e Hernandes (1995, p. 21) incluem entre as muitas responsabilidades de um secretário executivo a “seleção e recomendação de equipamentos para escritório.”
[...] um diretor me perguntou: “Você sabe operar com telex?“ Eu já tinha ouvido falar que existia um equipamento chamado telex, que era parecido com o telégrafo. Era só o que eu sabia. Falei: “Bom, eu não sei operar, mas eu conheço”, como realmente eu conhecia, “uma pessoa que trabalhava no correio,[...] e ele sabe operar telex”. O correio tinha uma máquina de telex. O diretor então falou: “Vamos ao almoxarifado, porque a máquina de telex está esperando por você.” Fomos ao almoxarifado. Era uma máquina Siemens, alemã, importada. [...] na hora do almoço, fui ao correio. O Sr. Darci me ensinou todos os segredos de operar o telex. Lá no correio aprendi a ser operadora de telex. [...] O telex ficou, se não me engano, até os anos 85, mais ou menos. Foi desativado porque tínhamos fax, e não era mais necessário. (SECRETÁRIA A).
Quando começou a trabalhar como secretária, na empresa do ramo têxtil, em 1969, aSECRETÁRIA A mencionou que lá eles tinham uma fotocopiadora da marca IBM, que um dos diretores costumava chamar de elefante branco, porque era enorme e apresentava problemas com frequência. Certo dia, um dos diretores lhe disse “a senhora sabia que nos Estados Unidos já tem uma máquina pela qual se passa a fotocópia aqui e a fotografia sai lá no outro país?” Isso para a SECRETÁRIA A era novidade. Na verdade, o diretor já estava se referindo ao fax, ao qual ela teve acesso em meados da década de 80.
A SECRETÁRIA C ressaltou que, em praticamente todas as organizações, as datas das mudanças de equipamentos e tecnologias coincidem. Em sua opinião “é muito interessante a história do telex. O telex ficou até mais tarde, até 1988, depois é que nós começamos a operar com o fax. Não é só isso. Tinha uma, duas, três, quatro pessoas na empresa que operavam o telex. [...] era um departamento.”
Departamento este que foi extinto, em muitas organizações, com o avanço da tecnologia de comunicação. Em outras, foi agregado pelo secretário executivo, que passou a ser responsável pelo antes denominado “setor de correspondência”.
Relacionamento chefe-secretário executivo
Numa empresa amparada no modelo tradicional de organização e administração, cada chefe, seja da alta, intermediária ou administração de primeira linha, tinha “sua própria secretária”. Fizemos uso do gênero feminino para enfatizar o fato de a profissão ser composta, quase que exclusivamente, de mulheres. As ordens e os direcionamentos que recebia eram única e exclusivamente de seu chefe direto e era para ele que trabalhava, obedecia ordens e procurava orientação e aprovação.
“Manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Era exatamente assim o relacionamento chefe-secretária. Você recebia as ordens, e as executava. Recebia a carta manuscrita e uns mais liberais permitiam que fosse corrigida, que se tirasse uma vírgula, ou usasse uma palavra mais adequada. Mas tinha aquele chefe que não permitia. Você fazia, recebia as ordens, executava e sim senhor, e nada mais. (SECRETÁRIA C).
De acordo com a SECRETÁRIA C, na organização em que atua, enquanto era uma empresa familiar, o relacionamento com a chefia era muito formal, muito respeitoso. Não era permitido dar ideias, apenas limitar-se ao seu campo de atuação.
Eu não tinha muita liberdade para expor minhas opiniões e minhas ideias ao meu chefe. Isso há uns quinze anos atrás. Então, não passava de organizar a agenda, chamar o chefe para as reuniões. Ficava sempre em segundo plano. Sabia que estavam acontecendo as coisas na empresa, assuntos importantíssimos, mas nos era negado o direito até de emitir a opinião. Quer dizer, não havia essa abertura entre chefes e secretárias. Hoje, posso dizer [...] que atuo e atuo de uma maneira muito diferente. Hoje, eu assessoro, administro, levo informação. Hoje, eu ajudo a chegar a uma definição. (SECRETÁRIA C).
O relacionamento da SECRETÁRIA A com sua chefia não era muito diferente. “Você não é paga para pensar” era a frase que um de seus chefes sempre que lhe dizia quando queria inovar ou dar alguma sugestão. “Eu ouvi isso muito e muitas vezes baixei a cabeça e falei ‘pois não’, ‘sim, senhor’.” (SECRETÁRIA A).
O secretário executivo trabalhava e reportava-se, exclusivamente, ao seu chefe. Era de sua inteira confiança e não da organização como um todo. Realizar tudo conforme a determinação do chefe, seguir a metodologia de trabalho por ele estabelecida, evitar choques de opinião, eram procedimentos e comportamentos normalmente recomendados para o secretário. Vale lembrar que, segundo a visão tradicional, o papel dos subordinados, dentro da cadeia de comando, é fazer o que os gerentes mandam, pois são seus chefes.
O secretário executivo tem desempenhado seu papel em organizações com uma estrutura hierárquica rígida e fragmentada, com seu lugar definido no organograma, ao lado do executivo com quem trabalha. Devido à rigidez hierárquica das organizações, não havia espaço para tomar decisões, pois a estrutura exigia das pessoas o desempenho de papéis limitados e autonomia quase nenhuma. Ocupava seu cargo, respeitando os limites definidos pela administração. Com o processo de reestruturação das organizações, as funções do secretário executivo foram afetadas. Numa corporação virtual, por exemplo, passou a ser visto como um membro da equipe, assumindo, também, responsabilidades na consecução das metas e objetivos do projeto pelo qual sua equipe responde. Não deixou de fazer as atribuições que são inerentes à profissão, como atendimento telefônico, atendimento aos clientes internos e externos, manuseio da correspondência, seja ela eletrônica ou não, organização de reuniões e viagens.
Hoje, este profissional integra as forças-tarefas e assume outras atribuições de acordo com a necessidade do projeto em questão. A ordem é agregar valor para a organização da qual faz parte. Para isso, tem que ser membro ativo e engajado, que participa e tem conhecimento de seu planejamento estratégico. Precisa primar pelo seu relacionamento com a chefia e os demais componentes internos e externos da organização. Precisa ter competência social, ou seja, capacidade de se relacionar eficazmente com os membros das equipes de trabalho.
Texto extraído de:
WAMSER, Eliane. O impacto das mudanças organizacionais na profissão de secretário e a contribuição do estágio supervisionado em sua formação. 208f. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Regional de Blumenau, Santa Catarina, 2000.