quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A VELHA REPÚBLICA: PERÍODO DE FORMAÇÃO DOS ENTES BRASILEIROS



A Velha República é o período entre a Proclamação da República (1889) e a Revolução de 1930. Nessa época, a elite política dominante urbana estava associada à Faculdade de Direito de São Paulo e à maçonaria, ambas com tendências liberais. Por outro lado, existia uma forte oligarquia rural com grande poder econômico. Faoro (1975, p. 501) sintetiza essa fase com a interpretação que o:

[...] liberalismo político casa-se harmoniosamente com a propriedade rural, a ideologia a serviço da emancipação de uma classe da túnica centralizadora que a entorpece. Da imunidade do núcleo agrícola expande-se a reivindicação federalista, empenhada em libertá-lo dos controles estatais.

Nas palavras desse pesquisador, o liberalismo político e o federalismo serviram para impedir a formação de um núcleo de poder público deixando as estruturas estatais a serviço da elite econômica dominante.

O documento marcante desse período foi a Constituição de 1891, que iniciava a configuração do aparelho estatal como conhecemos até os dias atuais. Por exemplo, estava definido que o sistema do legislativo seria o bicamaral, dividido entre o Senado e a Câmara dos Deputados. Os estados tinham poder para votar suas próprias constituições; essas esferas, naquele momento, foram dotadas de autonomia legislativa.

Nesse período, para além do texto da lei maior, inicia-se um movimento de concentração do poder nas figuras dos governadores. Minas Gerais e São Paulo, como estados mais populosos, tinham prestígio e privilégio de indicar os principais nomes da política nacional e, principalmente, pautar as leis e ações do legislativo nacional. Os governadores, nessa época, ficavam no meio, entre o presidente da república e os governos locais, capitaneado pelas figuras dos coronéis.

No campo econômico, o Brasil destacava-se pela exportação do café, mas já eram encontrados os primeiros, e ainda frágeis, sinais de industrialização, fomentada principalmente no período da Primeira Guerra Mundial.

No campo da gestão pública, destaca-se a concentração de poder na figura dos governadores (presidentes de estado) e dos coronéis (governantes locais). Tal fato marca o federalismo brasileiro, fazendo com seu nascimento esteja baseado em intenções opostas ao surgimento do federalismo americano, exemplo clássico de governo federalista. Nos Estados Unidos, o federalismo surgiu como uma vontade de instituições locais de se filiar a um poder comum. No Brasil, por sua vez, o federalismo surgiu para dar maior autonomia ao poder central. Segundo Faoro (1975, p. 469), “a carta de 91 seria, para os críticos visto que não exerce comando normativo, apenas a importação extravagante, cópia servil, incapaz de vestir o país novo e estuante de vida”. Os governadores se fortaleceram com essa cópia, pois não interferiram nas decisões federais e atuavam diretamente nas localidades. Isso deu início à denominada política dos governadores. Por sua vez, a união ainda concentrava em seu poder parte importante dos impostos, ficando para os estados somente os relativos à exportação. Tal fato possibilitou o destaque de São Paulo e Minas Gerais no cenário político nacional, iniciando a denominada política do café-com-leite. Os demais estados, fracos em receitas próprias, estavam sob tutela da União.

A denominada Política dos Governadores foi sustentada por uma grande capilaridade nas esferas locais. Isso foi possível graças ao nível de privatização que essa esfera tinha, principalmente na realização da segurança pública. O autor Leal (1975), em seu livro clássico Coronelismo, enxada e voto, demonstra que o local, no Brasil, foi inicialmente demarcado por donos das milícias privadas que realizavam a função de polícia e justiça nas localidades. Esses donos, em troca de benesses políticas e acesso ao poder central, despendiam recursos próprios para a proteção local. Foi o período do coronelismo. Conforme cita Faoro (1975, p. 621)

[...] o coronel recebe seu nome da Guarda Nacional, cujo chefe do regimento municipal investia-se daquele posto, devendo a nomeação recair sobre pessoa socialmente qualificada, em regra detentora de riqueza, à medida que se acentua o teor da classe da sociedade.

Dessa forma, o fenômeno do coronelismo entrou na realidade nacional numa aliança entre o poder político e o burocrático. Nesse sentido, o poder local no Brasil está associado a uma dinâmica de coação dos grupos oligarcas frente à maior parte da população. Nessa época, o espaço público era cultivado como fonte de troca para os favores pessoais, ou relações de clientela. É o denominado clientelismo.

Outra característica do coronelismo, conforme cita Faoro (p. 637), é que “o coronel utiliza seus poderes públicos para fins particulares, mistura, não raro, a organização estatal e seu erário com os bens próprios”. Tal aspecto está associado à inexistência de uma divisão entre o espaço público e o privado, conceito nomeado como “patrimonialismo”. O clientelismo e o paternalismo são heranças que marcam a história da formação dos processos da gestão pública até os dias atuais, com alguns sinais de rupturas realizados por dinâmicas mais participativas tomadas por algumas localidades.

Essa estrutura de poder local não foi quebrada por muitos anos, alastrando-se para o denominado “voto de cabresto”, que era a conjugação do poder dos coronéis com a subserviência dos moradores locais. Assim, as primeiras estruturas políticas da Velha República (final do século XIX) foram resultado da coexistência das formas modernas de representação política (o sufrágio universal) e de uma estrutura fundiária arcaica baseada na grande propriedade rural.

Elementos marcantes na Velha República para a formação da Gestão Pública República do Café-com-leite: Força política concentrada nos estados de São Paulo e de Minas Gerais. Esta política ganhou mais força quando o imposto de exportação passou para o poder dos estados, concentrando neles grandes montas de recursos por suas características exportadoras.

Coronelismo: Autorização dada a alguns senhores locais para a prestação de serviço de proteção local (milícias). Prática associada aos aspectos do clientelismo e patrimonialismo nas relações estatais.
Voto de cabresto: Submissão do eleitorado às vontades dos coronéis locais. Naquela época, o voto era universal, e não-secreto, o que facilitava o controle por parte dos coronéis Constituição de 1891: No discurso constitucional, a lei era altamente descentralizadora, dando autonomia para locais e para os estados. O sistema passou ao presidencialismo e ao voto universal.

Federalismo às avessas: Articulação entre as elites, evitando interferências nas esferas subnacionais até à federal. Os coronéis apaziguavam a política local e não atrapalhavam os governadores na assembléia legislativa. Os governadores não interferiam na política nacional e no executivo.


FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro: 2. ed. São Paulo: Globo/Editora da Universidade de São Paulo, v. 2, 1975.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975.