sexta-feira, 13 de março de 2015

COMO ASSAR UM PEIXE



        Recentemente, após uma palestra com o tema Liderar e Servir a um grupo de gestores de um banco, um homem de meia idade fez a primeira pergunta. Eu já o havia identificado como um dos líderes, pois a cada vez que eu desafiava o grupo percebia que muitos olhavam para ele a fim de ver qual seria sua reação.

       Isto que você disse é muito bonito, mas não se aplica ao nosso banco. Temos o estado da arte em tecnologia, mas lutamos contra cronogramas e produtividade. Devido a última reestruturação nem todos têm a mesma experiência, o que faz com que trabalhemos de forma árdua e com freqüência após o expediente. Trabalhamos no limite. Aqui, não vejo possibilidade de servir os outros, mas liderar sim.

       Imediatamente, observei um conjunto de cabeças concordando com a colocação. Partindo de um líder, aquela afirmação era significativa e refletia uma situação de alerta no banco. Ao responder contei uma historia que ouvira de um participante em um seminário em Minas Gerais.

       Um jovem casal recebe a visita da sogra e a nora prepara um peixe que sua mãe servia em ocasiões especiais. Mesmo a contragosto, a sogra foi obrigada a fazer elogios, porém com uma pergunta: qual o motivo de ter servido somente a parte central dos peixes? Eram dois bonitos pintados, mas a nora somente aproveitara o terço central de ambos. Seu filho economizaria se tivesse preparado apenas um peixe inteiro.

       A nora explicou que assim deveria ser preparado, resposta que não convenceu nem a sogra e nem seu jovem marido. Ainda intrigado, o marido perguntou à mãe de sua esposa a razão de somente aproveitar a parte central do peixe e a resposta foi a mesma: assim deveria ser preparado, pois sua mãe sempre fizera desta maneira. Resposta que também não satisfez o genro.

       Um mês depois, o jovem casal fez uma visita aos avós da esposa. Uma excelente oportunidade para que se esclarecesse a historia de somente utilizar a parte central do peixe. A resposta da avó foi surpreendente e simples: "Éramos pobres e morávamos no sítio. O peixe era pescado em um rio que cortava nossa propriedade. Tínhamos somente uma velha assadeira pequena onde não cabia um peixe inteiro, portanto aproveitávamos somente a parte que tinha mais carne e que coubesse na assadeira".

       Muitos gestores trabalham com tecnologias, ferramentas e conhecimentos do século XXI, mas com conceitos comportamentais do século passado. O ato de Liderar e Servir transforma o profissional qualificado em qualificante, com importantes contribuições ao desempenho das equipes, resultando em expressivos ganhos operacionais para a empresa e com conseqüente aumento da eficiência e redução da pressão individual.

       O líder que serve, cultiva na equipe o comprometimento e a capacidade de aprender, introduzindo entre outras a prática do mentoring com a criação de "multiplicadores parceiros", onde todos aprendem com todos. Através da prática do mentoring pode-se introduzir e disseminar princípios através da organização, caracterizar e unir uma equipe de trabalho e principalmente, fazer com que todos pensem e executem, sem ficar muito engessados com métodos estabelecidos no passado e que possivelmente hoje são obsoletos e redutores da eficiência e prazer no trabalho.

    O ato de raciocinar e decidir em benefício do grupo, característica do ser humano, parece ser uma heresia do funcionário comum nos dias de hoje. De modo contrário ao que víamos no passado, é muito importante que cada colaborador seja um empreendedor em seu posto, que quebre paradigmas em benefício do todo e que busque, através de seu raciocínio, melhorar cada vez mais o desempenho, seu e do grupo.

       Esta mudança de comportamento é conseguida através do mentoring que é feito pelo líder-servo que quase sempre não ensina nada de novo, mas estimula o uso do raciocínio e da criatividade para aprimorar desempenhos. Isto requer doação, paciência e principalmente: sabedoria. O mentor não tem receio de compartilhar a sua experiência, pois sabe que quanto mais eleva o nível do grupo, mais a sua liderança se torna eficaz.

       Pode parecer piegas ou utópico, mas desconheço métodos de liderança eficaz que não passem pela constatação de que todos os membros do grupo se sintam amados pelo seu líder. Não conheço também um grupo verdadeiramente eficiente, onde esta troca de sentimentos não esteja presente, pois o respeito, a camaradagem, a confiança fazem com que cada um disponibilize o que tem de melhor em benefício de todos.

       Nós que atuamos com gestão de pessoas devemos ter bem claro que as mudanças neste século são mais rápidas que no século passado e que temos que filtrar o excesso de informações e acompanhar estas mudanças, mas talvez em algum momento descubramos que tudo isto é muito antigo, sempre esteve aí para ser utilizado, porém pela nossa característica predominantemente racional, não tenhamos tido a vontade política de perceber e usufruir.

       Podemos ainda estar assando peixe grande em assadeira pequena, talvez desprezando a melhor parte...




POR: Cleyson Dellcorso