terça-feira, 24 de março de 2015

ESQUEÇA O MITO DA MULTITAREFA




Esta reportagem começa com um desafio: leia o texto todo de uma vez, sem interrupções. Não vale olhar mensagens no celular nem espiar as redes sociais.

Ao cair na tentação de fazer outra coisa durante a leitura, você age como um multitarefa. Muita empresa gosta e até espera que seus empregados assumam esse comportamento de tocar várias atividades ao mesmo tempo. Ainda mais em períodos de estagnação e ajuste econômico como o atual, em que o tamanho das equipes diminui e o trabalho cresce.

O problema é que o hábito não passa de um mito. Só 2,5% das pessoas são capazes de levar adiante mais de uma tarefa por vez, segundo pesquisa da Universidade de Utah, nos Estados Unidos. Elas são chamadas de supertaskers.Mas o restante dos mortais só se atrapalha ao tentar ser multitarefa.

Há um problema evidente, já que a maioria das empresas adora valorizar quem acumula diversas funções, o que, na prática, é impossível.  “Já tive brigas com gestores de RH que insistem em colocar nas vagas de emprego: ‘Capacidade de ser multitarefa’”, afirma Christian Barbosa, especialista em gestão do tempo, de São Paulo. “Isso não existe, não funciona, é irracional.”

Tanto que o consultor criou um teste para verificar se os brasileiros são mesmo capazes de exercer várias atividades simultaneamente com eficiência. Em 2014, 4 000 profissionais participaram da prova e somente 1% conseguiu ser mais produtivo com um olho no gato e outro no peixe.  

Além de ser um tiro no pé da produtividade, tentar dar conta de todo o trabalho de uma vez causa enorme angústia. A pessoa trabalha o dia todo e termina com a sensação de que nada foi concluído. E, mesmo quando a tarefa chega ao fim, resta o sentimento de má execução.

Qual a solução para dar conta de todas as tarefas de maneira eficiente? Não existe milagre, apenas investimento em organização e concentração. “Cada pessoa se organiza de um jeito e precisa descobrir como é mais eficiente”, diz Paula Rizzo, especialista americana em organização e autora do livro The Listful Thinking (ainda sem edição no Brasil, e-book por 27 reais na Amazon). 

O primeiro passo é a consciência de que o descontrole sobre as atividades só atrapalha os resultados.  Diante do desafio de chefiar dois times, um no Brasil e outro nos Estados Unidos, José Roberto Pelegrini, de 39 anos, diretor financeiro da JDSU, multinacional especializada em redes de comunicação, decidiu reorganizar sua agenda.

Esse período foi de muito trabalho e ele só conseguiu dar conta do recado porque reviu seu estilo de trabalhar e priorizar tarefas. “Parecia que estava sempre deixando algo de lado, que não tinha me dedicado totalmente”, diz. A fórmula que encontrou passa por fazer listas das atividades semanais e diárias, manter a caixa de e-mail vazia e manter a calma. “Não adianta dar chilique na reunião, reclamar que não vai dar tempo”, afirma José Roberto.

Como ele, outros profissionais contam nesta reportagem as maneiras e os hábitos que encontraram para ser pessoas  mais eficientes. O segundo passo é combater a distração, um desafio que fica mais complexo à medida que o mundo se torna mais conectado. Alternar continuamente a atenção entre várias tarefas prejudica a memória e o raciocínio, o que leva à queda de desempenho.

Gloria Mark, professora da Universidade da Califórnia, descobriu que um profissional típico leva, em média, 25 minutos para retornar à tarefa original depois de uma interrupção. “Alguém que permanece 10 horas no escritório poderia ficar apenas 8 horas se trabalhasse com uma sequência de tarefas”, afirma Christian. 

A sensação de sobrecarga já começa a despertar em muita gente a von­tade de viver uma vida menos caótica, mais organizada e produtiva. Segundo um relatório de tendências para 2015, feito pela agência Box 1824, de São Paulo, uma crescente maioria se convence de que é impraticável levar uma vida tão conectada.
Nesse cenário, surge um contramovimento batizado de quiet bliss, algo como “felicidade silenciosa”, que prega que façamos apenas uma atividade por vez.

Para os defensores do movimento, aspectos como viver o momento sem registrá-lo (nada de selfies nas férias ou de assistir a um show pela tela do smart­phone em vez de olhar para o palco), deixar a internet desligada por alguns perío­dos, parar de encavalar afazeres e encontrar tempo para o ócio são fundamentais.

Isso se aplica, logicamente, ao espaço do trabalho. “De maneira inconsciente, muita gente acha que não merece ter tempo para o descanso”, diz Brigid Schulte, jornalista americana que escreve para o periódico The Washing­ton Post e é autora do livro Overwhelmed: Work, Love, and Play When No One Has the Time (“Sobrecarregados: trabalho, amor e diversão quando ninguém tem tempo”, numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil). “Mas esses períodos são fundamentais para pensar sobre o que importa para você, onde você está, para onde está indo e como está gastando seu tempo.” 

Quem consegue organizar os horários para ter tempo livre consegue organizar o tempo para trabalhar melhor. Esse é o desafio. E é importante saber dosar quando já tra­balhou o suficiente.

Para isso, o consultor americano Stephen Lynch, especialista em produtividade, propõe três questionamentos: quantas horas você trabalha em média por semana? Você é capaz de se desligar completamente do trabalho um dia por semana? Como você tem melhorado a produtividade das horas que gasta trabalhando? Mudar as respostas a essas perguntas é o caminho para dar conta de tudo e ter uma vida melhor — dentro e fora do escritório. 

Veja a seguir lições de alguns profissionais que conseguem se organizar para dar conta de todas as tarefas.