Talvez seja o próprio controle popular, da própria sociedade, que será o fator decisivo para a grande mudança que ainda ocorrerá na administração pública brasileira.
Parentes de políticos sem qualquer preparo sendo escolhidos para cargos de confiança importantes na administração pública, ou passando em concursos públicos de credibilidade discutível; empresas financiadoras de campanhas eleitorais vencendo licitações duvidosas, uso de verbas públicas para uso próprio ou para financiamento de campanhas; utilização de empresas e ONGs fantasmas para parcerias criminosas com o poder público. Todos os exemplos atuais de patrimonialismo.
No patrimonialismo, os governantes consideram o Estado como seu patrimônio, havendo uma total confusão entre o que é público e o que é privado, o que foi uma característica marcante principalmente até o fim dos Estados absolutistas. Até hoje há patrimonialismo na administração pública, dependendo do desenvolvimento de cada país, estado ou município, em maior ou menor monta.
Com o surgimento da administração pública moderna, principalmente com a Revolução Francesa, os ideais republicanos e democráticos cada vez mais obrigaram que haja uma gestão pública profissionalizada, com procedimentos que assegurem o atendimentos aos princípios constitucionais como isonomia, moralidade, publicidade, entre outros.
Foi Max Weber que inicialmente melhor estudou a chamada “burocracia”, que redundou no aparecimento de procedimentos como o concurso público, licitações, controle da administração pública. No Brasil os ideais burocráticos foram fixados em nosso ordenamento jurídico, de fato, apenas com a Constituição de 1988. Portanto, tardiamente.
Note-se que não estou falando aqui no termo burocracia em seu sentido pejorativo, que lembra algo que não funciona, repartições empoeiradas, com engrenagens lentas e ineficientes. Trato da forma técnica idealizada por Weber, de uma administração pública profissionalizada, eficiente e ética.
Antes mesmo de implementarmos os ideais burocráticos constitucionais, na década de 90 do século 20, o ideário neoliberalismo-gerencial tentou implementar a chamada administração pública gerencial no Brasil, utilizando o modelo aplicado principalmente em países desenvolvidos na década de 80, copiando procedimentos da gestão da iniciativa privada, nem sempre condizentes com o nosso modelo constitucional.
A implementação do gerencialismo-neoliberal se deu com a venda de empresas estatais, terceirizações, diminuição dos gastos públicos sociais, criação de agências reguladoras capturadas pelo mercado, privatizações por meio do terceiro setor (ONGs, organizações sociais e OSCIPs) etc. O que redundou, ao invés da implementação dos mandamentos constitucionais pela estruturação da administração pública, em precarização e um retorno ao patrimonialismo.
Nepotismo, clientelismo, corrupção, licitações e concursos públicos fraudados, terceirizações ilícitas, tráfico de influências. Tudo isso é uma realidade na gestão pública municipal, estadual e brasileira. Não estamos no ápice do patrimonialismo do período absolutista. Também há menos corrupção do que no último período ditatorial militar, em que havia corrupção e os denunciantes poderiam ser aniquilados. Mas sem dúvida se não tivéssemos passado pelo período neoliberal-gerencial que até hoje influencia nossa administração pública, poderíamos estar em grau ainda mais avançado de luta contra o patrimonialismo.
Ministério Público, tribunais de contas, Poder Legislativo, Judiciário e Executivo. Cada um desses poderes têm responsabilidades pelo fim do patrimonialismo. Mas talvez seja o próprio controle popular, da própria sociedade, que será o fator decisivo para a grande mudança que ainda ocorrerá na administração pública brasileira, para a melhor implementação do Estado Social e Democrático de Direito.
Tarso Cabral Violin, professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo, é advogado e blogueiro(http://blogdotarso.com) e mestre em Direito do Estado pela UFPR