Futebol não é um esporte inocente. Jogadores podem ser
amigos fora do campo, mas quando dois adversários se enfrentam no gramado,
existe muita malícia que as câmeras de última geração não capturam. Xingamentos
ao pé do ouvido, passadas de mão em lugares indecorosos, faltas para
desestabilizar tanto o corpo quanto a mente, quebrar o ritmo de jogo e outras
manhas. Afinal, se o provocador conseguir a expulsão de um jogador do outro
time ou simplesmente anular os mais habilidosos, pode desequilibrar o jogo em
favor da equipe que defende. Dependendo do juiz e da partida, o grau de
tolerância varia.
O jogo entre as seleções do Brasil e da Colômbia pelas
quartas de final da Copa do Mundo foi pródigo nesse tipo de estratégia. No
final do primeiro tempo, eram os jogadores quem estavam apitando o jogo, dada a
frouxidão do árbitro em relação à disciplina. Após os gols, o nervosismo
aumentou. E o que era uma mandinga tolerada e "natural" do futebol
começou a ganhar contornos de violência.
Zuñiga aparentemente estava em campo para isso. Primeiro,
apresentou as travas de sua chuteira para o joelho do atacante Hulk, jogada
temerária que felizmente não provocou uma lesão. No final do jogo, com a
Colômbia correndo para conquistar o empate e prolongar a partida, ele encaixa
uma joelhada violenta e covarde em um dos melhores jogadores da seleção
adversária. Uma das manhas mais comuns do futebol é simular dores com
espetacular teatralidade, sobretudo quando faltam três minutos para o apito
final. Tratando-se de Neymar, confesso que esse foi meu primeiro pensamento.
Mas no primeiro replay do lance, qualquer olhar amador
poderia notar a violência desmesurada e injustificável utilizada na disputa
pela bola. O objetivo não era mais a posse, mas arrebentar um jogador que
poderia desequilibrar a partida apenas com a sua habilidade. Zuñiga não sabia
ou ignorava, mas naquele momento poderia deixar um jovem profissional de 22
anos paraplégico. O golpe não atingiu a medula e a fratura na vértebra
aparentemente não foi séria, mas Neymar, que estava na disputa tanto pelo
título quanto pela artilharia, não vai participar dos jogos definitivos no
caminho para a conquista do campeonato.
"Foi uma jogada normal. Não tive a intenção de fazê-lo
mal. Nunca tive a intenção de lesionar um jogador. Era uma partida que
queríamos marcar, estava um pouco nervoso. Brasil estava entrando forte.
Esperamos que não seja nada grave". Essa foi a justificativa, dada pelo
jogador colombiano em entrevista à ESPN Brasil. "[Foi] uma jogada, cada um
defendendo sua camisa. Estou defedendo minha camisa, meu país. Para mim foi
algo normal. Infelizmente aconteceu isso. Espero que com a ajuda de Deus não
seja nada grave".
Vale tudo para [tentar] se dar bem?
O futebol é uma profissão, e os clubes e seleções são
empresas. Os jogadores são profissionais e, entre si, devem manter uma relação
de coleguismo, ou mesmo amizade, ainda que em lados opostos. O momento mais
emocionante do jogo são vencedores e perdedores se abraçando, cumprimentando um
ao outro, reconhecendo o valor do adversário e trocando camisas. É um gesto que
quase redime as "pequenas corrupções" dentro do campo (como define o
colunista Fábio Zugman).
No espaço de trabalho, algumas empresas admitem mandingas.
Fazem de conta que não enxergam enquanto outros profissionais soltam indiretas
para os colegas. São lenientes em situações de óbvio assédio moral. Os
agressores acham que estão no direito, e que é natural agredir um concorrente
em negócios competitivos. Se não há um árbitro no conflito ou se ele é
hesitante, por que não continuar as agressões para desbaratar a promoção do
colega? Se não há punição, por que parar? Pessoas que pensam assim, ignoram o fato
de que podem destruir a outra por dentro. Assim como jogadores que saltam com o
joelho em riste para disputar a bola.