A sociedade brasileira está reavaliando sua forma de
mensurar o desempenho dos governos e da gestão pública. Essa nova postura está
produzindo transformações significativas nas relações entre o Estado e a
sociedade e nas formas tradicionais de administração do bem público. As
reivindicações dos movimentos sociais cristalizados nas recentes manifestações
de rua que estão ocorrendo em inúmeras cidades do país confirmam o desejo da
população brasileira por mudanças profundas na forma de gestão do Estado, com
destaque para as exigências de mais ética na política, combate à corrupção e
melhores serviços públicos.
Observa-se, em que pese os esforços para superar o modelo
burocrático e implantar o modelo gerencial, que o modelo patrimonialista de
gestão vem sendo intensamente retroalimentado na última década, com o crescente
aumento da máquina governamental, sem critérios técnicos, dos gastos públicos,
entre outras. É relevante destacar, nesse sentido, que numa análise feita de 71
casos de escândalos ocorridos no país, no período de 1970 a 2012, se constata
que em todos eles, em maior ou menor intensidade, foram encontrados indícios da
forma de gestão patrimonialista por parte dos envolvidos, em especial, dos parlamentares,
autoridades do poder executivo e judiciário e servidores públicos
(Matias-Pereira (2013).
Registre-se que, sob uma perspectiva histórica, a
sobrevivência do patrimonialismo até a atualidade tem suas raízes nas relações
de poder, na estrutura social e nos valores políticos e ideológicos
prevalecentes na sociedade brasileira. Esse processo de retroalimentação do
patrimonialismo além de afetar o desempenho da administração pública, na medida
em que facilita desvios e a corrupção, se apresenta uma ameaça real à
governança e à democracia do país.
É sabido que o combate à corrupção se concretiza - como
revela a experiência dos países mais evoluídos nesta área - com a estruturação
de órgãos e instituições estatais independentes, com recursos humanos preparados
e bem remunerados. É necessário haver uma cultura social que apoie este
esforço, sem distinções, visto que não é possível existir um Estado honesto sem
uma sociedade integra. Assim, o combate à corrupção somente terá sucesso se
houver mudança da estrutura estatal para enfrentar o problema e uma mudança da
cultura social.
Diante do crescente enfraquecimento das instituições, pela
prática continuada de decisões que conflitam com os interesses da sociedade, é
relevante alertar que o Estado brasileiro pode vir a enfrentar uma crise de
governança. Para sustentar esta afirmação estamos levando em consideração as
condições sistêmicas inadequadas de exercícios do poder por parte do Estado
para o atendimento das demandas da sociedade brasileira. Vislumbra-se que o
somatório dos instrumentos institucionais, recursos financeiros e meios
políticos de execução das metas definidas estão aquém dessas expectativas.
A reforma do aparato administrativo do Estado, diante do
cenário atual da administração pública no Brasil, é uma medida necessária, com
vista a torná-lo mais democrático, mais eficiente, eficaz, efetivo e capaz de
atender adequadamente os usuários dos serviços públicos. É relevante alertar
que a refundação da administração pública é um processo de extrema
complexidade, que demanda profundos e detalhados estudos. Seu processo de reestruturação
implica, efetivamente, na reavaliação de práticas e valores que estão
arraigados em nossa sociedade. Assim, a reforma da administração passa pela
vontade política do governante, da participação do parlamento e do envolvimento
dos demais atores que dela irão se beneficiar. Nesse esforço, a busca da
transparência na gestão pública é imprescindível.
É importante destacar, por fim, que é essencial que se
promova a refundação da administração pública com vista a permitir que cumpra
bem o seu papel de promover o bem comum. Nesse sentido, a função da refundação
da administração é buscar rearticular o Estado e suas relações com a sociedade
de forma a adaptar-se a esse novo cenário econômico e político internacional.
Ela tem como principal justificativa a imperiosa necessidade do governo de
atender por meio da administração as crescentes demandas da sociedade com
serviços públicos de qualidade, reduzir gastos, implementar e avaliar políticas
públicas, elevar a transparência, além de promover e estimular investimentos em
setores estratégicos, criando as condições para a retomada do processo de
desenvolvimento sustentável do Brasil.
José Matias-Pereira