A Administração Pública moderna foi implementada para acabar
com o patrimonialismo, cujas principais características são a confusão entre o
que é público e o que e privado, o clientelismo, o nepotismo, a corrupção.
Em período absolutista-monárquico europeu o poder passava de
pai para filho, os dirigentes poderiam se apropriar dos bens públicos sem
qualquer controle, havia uma casta privilegiada ao redor do governante, com
privilégios especiais. Características claras do patrimonialismo, que
infelizmente existem ainda hoje no Poder Público em decorrência da não
aplicação de várias regras burocráticas.
A Administração Pública profissionalizada, o Direito
Administrativo, o regime jurídico administrativo, foram criados para acabarem
com o patrimonialismo, para que a “engrenagem” funcionasse para que o Estado
pudesse cumprir com seus deveres constitucionais.
No Brasil, foi a partir do governo de Getúlio Vargas que o
concurso público foi implementado para alguns cargos, sendo que apenas com a
Constituição de 1988 o concurso foi implementado para todos os cargos e
empregos públicos, a não ser os temporários, que podem ser contratados por
teste seletivo simplificado, e os ocupantes de cargos comissionados. Ou seja, a
regra é o concurso público.
Os comissionados existem para que os governantes, que vencem
democraticamente as eleições com a participação de todos os cidadãos, possam
implementar suas políticas públicas. Por isso sou contra que no Poder
Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas existam cargos e funções
comissionadas. Nesses poderes deveriam haver apenas servidores concursados para
o funcionamento da máquina pública.
Mas nos Poderes Legislativo e principalmente no Poder
Executivo os comissionados são essenciais. Por exemplo, um governador que vence
a eleição com uma proposta mais social, apenas poderá transformar essas
propostas em políticas públicas de fato, cumprindo com seu programa eleitoral,
com o auxílio de pessoas de sua confiança ideológico-técnica.
O concurso público garante o atendimento ao princípio da
impessoalidade na Administração Pública. Mas no caso dos comissionados não se
pode falar em atendimento ao princípio da impessoalidade. Pelo contrário. Para
ocupar os cargos comissionados o governante eleito não tem como atender a
impessoalidade. Ele escolherá pessoas de sua confiança técnica e ideológica.
No Brasil são dois os grandes problemas com relação aos
comissionados. Primeiro: há um exagero no número de cargos e funções
comissionadas. Segundo: o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência
de que o governante é livre para escolher quem bem entender nos cargos e
funções de confiança.
Propõe-se acabar com os cargos e funções de confiança no
Poder Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas, nos quais comporiam
apenas servidores concursados. Todos com uma competência técnica após passarem
em concurso público. Nos Poderes Legislativo e Executivo diminuição
drástica dos cargos/funções comissionadas, com no máximo 5% ou 10% dos cargos
poderem ser ocupados com pessoas de confiança do governante.
Além disso, os cargos de chefia, direção e assessoria, de
confiança, deveriam ser ocupados por pessoas escolhidas pelos governantes, mas
desde que a autoridade JUSTIFIQUE a escolha, nos termos do princípio da
motivação, conforme posição já externalizada nesse sentido pelo professor
doutor Romeu Felipe Bacellar Filho.
Ou seja, um secretário municipal ou estadual, um ministro de
Estado, um diretor de uma empresa estatal, um assessor, apenas poderia ser
escolhido pelo governante, se essa autoridade expusesse no ato administrativo o
motivo dessa escolha. A pessoa deveria ser especialista sobre a área da
secretaria, ou sobre gestão pública.
Assim, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, o Poder
Judiciário e, o mais importante, a população, que exerce o controle social,
poderá fiscalizar se realmente a justificativa da escolha existe e se ela é
aceitável.
Um cabo eleitoral recém formado em Direito escolhido como
Diretor Jurídico de uma grande empresa estatal? Não pode! Um farmacêutico irmão
do presidente da República que nunca administrou nada, nem na iniciativa
privada e muito menos no Poder Público, escolhido como Ministro da Fazenda? Não
pode! Claro que apontei casos de certeza positiva, e muitas vezes a discussão
fica numa zona cinzenta, dentro de uma subjetividade. Mas cada caso concreto
poderá ser controlado pelos órgãos públicos ou população se são casos com
justificativas convincentes ou não.
Caso uma escolha equivocada seja feita, sem justificativa,
ou com uma justificativa que não seja convincente, o ato administrativo poderá
ser anulado pela Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.
Apenas recentemente o Ministério Público do Estado do Paraná
vem questionando a Assembleia Legislativa do Paraná e as Câmaras Municipais
pela redução dos cargos comissionados, o que é algo louvável. O MP está
exigindo que o número de comissionados não seja maior do que 50% dos cargos
existentes. Entende-se que 49,9999% ainda é muito, mas já é um começo de
atuação louvável pelo MP.
Mas a doutrina e jurisprudência majoritária não exige a
motivação dos atos de nomeação dos servidores comissionados.
O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 13,
que proíbe o nepotismo na Administração Pública brasileira, para cargos de
servidores comissionados, inclusive o chamado “nepotismo cruzado”. Não vedou a
contratação de parentes para cargos de agentes políticos, como de secretários
estaduais e municipais e ministros.
Entende-se que se o STF questionasse a falta de motivação
dos atos de escolha dos comissionados e a quantidade exagerada, irrazoável e
desproporcional, de cargos/funções de confiança, seria uma atuação mais
importante.
Infelizmente, com a Súmula 13 do STF, muitos governantes,
impedidos de escolher parentes em cargos comissionados, acabam escolhendo
parentes sem a devida competência para ocuparem cargos de
secretários/ministros.
Outra forma de burlar a Súmula é a contratação de parentes
por meio de contratos de terceirização/privatização, convênios com entidades do
Terceiro Setor, termos de parceria com OSCIPs e contratos de gestão com OS –
Organizações Sociais.
Sem justificativa na escolha, muitas vezes pode ser até mais
prejudicial para a Administração Pública a contratação de cabos-eleitorais do
que parentes. O problema não é a relação de parentesco, a relação partidária, a
relação pessoal. O problema é a escolha sem motivação e o alto número de
cargos/funções comissionadas.
Muitos podem dizer que não basta a motivação do ato de
escolha. Que um parente em cargo comissionado não será tão controlado pelos
órgãos de controle interno. Ora, esse mesmo órgão de controle interno então não
fará um controle eficaz também sobre o próprio prefeito ou governador eleito.
Esse exemplo traz a necessidade de melhorarmos os controles internos na
Administração Pública, previstos constitucionalmente, com controladores
concursados e com a autonomia necessária para fiscalizarem os chefes do Poder
Executivo e do Poder Legislativo, seus parentes e cabos eleitorais escolhidos
para cargos comissionados ou qualquer outra questão de interesse público.
O grande problema na Administração Pública não é a existência
de poucos parentes, com a devida habilidade/competência, em alguns cargos
comissionados. Mas sim que parentes, cabos eleitorais e financiadores de
campanha tenham preferências em concursos públicos, licitações e demais
processos administrativos (ou a falta deles) realizados na Administração
Pública brasileira.
Tarso Cabral Violin – advogado, professor e
palestrante em Direito Administrativo, mestre em Direito do Estado pela UFPR,
editor-presidente do