Hoje me peguei fazendo a seguinte pergunta: o que
aconteceria se uma empresa anunciasse o lançamento do "smartphone dos
smartphones", gastasse mais do que a Apple e a Samsung gastaram para
lançar seus aparelhos, para surpreender com um modelo de bem menos funções que
o anunciado?
"O aparelho faz ligações. Vocês não queriam um
telefone?", diria o confiante CEO, em uma conferência com a mídia. Na
reunião de acionistas, o diretor de RI, ao ouvir críticas ao avançado sistema
de teleconferência que a empresa anunciou e não entregou, diria: "As
pessoas querem fazer ligações e mandar mensagem de texto. Nós vamos entregar o
resto, um dia." Outro executivo responderia que o que importa é que nos
próximos anos boa parte das promessas seria realizada.
Qual seria sua reação como consumidor ou acionista de tal
empresa? Ficaria feliz e contente ou pediria a cabeça da diretoria da empresa?
Tal situação, que parece surreal, aconteceu aqui mesmo,
neste fenômeno chamado Brasil. Ao anunciar a Copa, planos mais do que gigantes
foram apresentados. Não podiam faltar autoelogios e discursos magnânimos. Achei
a coisa toda tão interessante que não podia deixar de falar sobre o assunto.
Como imagino que a maioria dos nossos governantes não passa muito tempo lendo
sobre Administração, vamos fazer o contrário. Apresento aqui minhas lições do
que não fazer quando você está em uma posição de liderança:
- Utilize termos como a “Copa das Copas” para
mostrar que ninguém está aos seus pés. Não basta dizer que é o melhor, exagere
ao máximo: O “produto para acabar com todos os produtos” e “você nunca mais
será o mesmo” são frases úteis que devem ser levadas totalmente a sério.
- Entre em projetos complicados, com os quais você não
tem nenhuma experiência. Coisas como trem-bala, monotrilhos elevados e mais um
monte de coisa que você nunca fez até agora, mas planeja fazer em tempo
recorde.
- Faça tudo ao mesmo tempo. Você acha complicado
construir um aeroporto, um estádio e uma linha de metrô? Então resolva
construir vários ao mesmo tempo. Todo mundo sabe que vários projetos
simultâneos são muito mais fáceis de administrar, não é mesmo?
- Dane-se o orçamento e o bom senso. Nada mais justo
que construir o terceiro estádio mais caro do mundo em uma cidade sem tradição
em futebol. Aliás, para que economizar? Chute o balde, torre o máximo possível
e diga que está investindo em um “legado”. Afinal, super estádios podem ser
usados esporadicamente para shows, feira hippies e piqueniques escolares, não é
mesmo?
- Quando as coisas começarem a dar errado, xingue seus críticos. Diga que eles
são pessimistas e não sabem de nada. Mude seu discurso, diga que os projetos
eram para depois, de qualquer jeito, e todo mundo entendeu errado. Ignore as
críticas mais sérias, que uma hora elas somem.
- Aproveite que os projetos e orçamento passaram do prazo e
passe mais um pouco. Vá em frente. É muito mais emocionante saber que um
estádio foi entregue logo antes do jogo.
- Afaste-se totalmente da realidade. Todo mundo sabe que um dos primeiros
sinais de problemas é quando a liderança se mostra desconectada com a “linha de
frente”. Isso, no entanto, é para mortais. Quando perguntarem se faltam hotéis,
responda que conta com a hospitalidade das pessoas. Se disserem que os projetos
não foram entregues, diga que o povo quer é festa. Se reclamarem da falta de
mobilidade, tire um sarro e mande ir de jegue.
Caro leitor, é claro que vai ter Copa. Os times estão
chegando, os estádios estão aí. Fica só a lembrança, em uma tentativa bem
humorada, de mostrar como nossos líderes, independente de partidos e
afiliações, escapam com coisas que pareceriam estranhas até a um calouro de
Administração. Curta a festa, mas não se esqueça de que, no fim, nós é que
pagamos a conta.