Exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e
constrangedoras, repetitivas e prolongas durante a jornada de trabalho. Assim é
definido o assédio moral, do qual muitos trabalhadores são vítimas. Tão antigo
quanto trabalhar, mas pouco discutido, o ‘tema’ só ganhou uma repercussão maior
após ter sido explorado pela mídia. Os tipos de explorações mais comuns vêm das
escalas hierarquias autoritárias e assimétricas, onde predominam condutas
negativas, relações desumanas e sem ética de longa duração, de um ou mais
chefes, dirigidas aos subordinados.
Desta forma, a vítima fica desestabilizada
em sua relação com o ambiente de trabalho e a organização do mesmo, sendo
forçada a desistir do emprego. Mesmo sem ser um fenômeno novo, o assédio ou violência
moral trazem novidades no que diz respeito a intensificação, gravidade,
amplitude e banalização, além da abordagem. Conforme explica o advogado
trabalhista Matheus Barreto, atuante em Poços de Caldas e na região sul
mineira, o assédio moral no emprego caracteriza-se, especialmente, pela
degradação deliberada das condições de trabalho. “É quando prevalecem atitudes
e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo
uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o
trabalhador e a organização”, explica.
E advogado relata ainda que a vítima
escolha é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada,
ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares.
“Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados
associados ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos
com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do
agressor no ambiente de trabalho, instaurando o ’pacto da tolerância e do
silêncio’ no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando
e fragilizando, ’perdendo’ sua autoestima”, destaca.
Danos à saúde mental e física
Para Cássia Pedroso, 24 anos, estudante de psicologia e
estagiária, atendente numa clínica, de pessoas com baixa autoestima em razão do
trabalho, a humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do
trabalhador, causando danos até mesmo irreversíveis. “A agressão moral
interfere na vida destas pessoas de forma direta. Pelo que observo, compromete
a identidade, a dignidade e as relações afetivas e sociais, ocasionando graves
danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade de
trabalhar, desemprego ou em último caso, a morte, por depressão, constituindo
um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho”,
comenta a estudante.
As pessoas vítimas de assédio moral passam a conviver com
depressão, palpitações, tremores, distúrbios do sono, hipertensão, distúrbios
digestivos, dores generalizadas, alteração da libido e pensamentos ou
tentativas de suicídios que configuram um cotidiano sofrido. É este sofrimento
imposto nas relações de trabalho que revela o adoecer, pois o que adoece as
pessoas é viver uma vida que não desejam, não escolheram e não suportam.
De
acordo com um levantamento feito pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT), com diversos países desenvolvidos, a pesquisa aponta para distúrbios da
saúde mental, relacionado com as condições de trabalho em países como Finlândia,
Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos.
Este levantamento revela ainda
perspectivas sombrias para as duas próximas décadas, pois, segundo a OIT e a
Organização Mundial da Saúde (OMS), estas serão as décadas do ‘mal estar na
globalização’, onde predominará a depressão, angustias e outros danos
psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de
trabalho. Segundo relato de Rosana L.* (nome alterado), que foi vítima de
assédio moral quando trabalhava numa loja de roupas no centro da cidade, foi
forçada a pedir demissão do emprego, frente às humilhações, ridicularizações e
escassez de recursos para trabalhar, oferecidos pelo ex-patrão. “Eu era
impedida de me expressar e não sabia o porquê, além de ser frequentemente ridicularizada
na frente dos outros ‘colegas’ de trabalho. Sem falar que estes mesmo ‘colegas’
tentavam me culpar por coisas que eu não havia feito, gerando ainda mais
comentários de que eu era incapaz de exercer minha função. Com isso, fiquei
desestabilizada emocionalmente.
Perdi a confiança que tinha em mim mesma,
adquiri uma úlcera e fui me isolando inclusive da minha família e dos meus
amigos. Entrei em depressão e pedi minha demissão”, conta. Ela diz ainda que
está tentando se estabilizar e ter uma vida normal. Rosana procura um emprego
como vendedora ou balconista em lojas e espera conseguir superar o trauma, uma
vez que tem feito tratamento e acompanhamento psicológico.
A Lei
O artigo 136-A do novo Código Penal Brasileiro institui que
assédio moral no trabalho é crime, com base no decreto - lei n° 4.742, de 2001.
O Congresso Nacional então decreta no artigo 1° - O decreto lei n° 2.848, de 07
de dezembro de 1940, que no artigo 136- A, depreciar, de qualquer forma, e
reiteradamente, a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em
razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou
trata-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física
ou psíquica pode acarretar uma pena de um a dois anos de reclusão.
Ainda no
mesmo artigo consta que desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras,
gestos ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem do servidor público
ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral pode causar a
detenção de três meses a um ano e multa.
Formas de assédio e abuso moral
De acordo com a lei, amedrontar um funcionário com ameaças
de demissão podem ser caracterizadas como assédio moral. Outras atitudes como
desestabilizar emocionalmente o trabalhador ou dar ordens confusas e
contraditórias, sobrecarregar de trabalho ou impedir a continuidade de um,
negando informações também podem ser consideradas atitudes de assédio moral.
Além disso, desmoralizar publicamente, afirmando que está errado, rir a
distância e em pequeno grupo, conversar baixinho, suspirar e executar gestos
direcionando-os ao trabalhador também acarreta punição de lei a empresa.
Ignorar a presença do trabalhador, não cumprimentar ou impedi-lo de almoçar,
além e exigir que se faça horários fora da jornada, ser trocado de turno sem
ter sido avisado ou ser mandado executar tarefas acima ou abaixo do
conhecimento geram danos ao trabalhador e são considerados tipos de assédio
moral. Hostilizar, não promover ou premiar colega mais novo/a e recém-chegado/a
à empresa e com menos experiência, como forma de desqualificar o trabalho
realizado, espalhar entre os colegas que o/a trabalhador/a está com problemas
nervoso, sugerir que peça demissão, por sua saúde e divulgar boatos sobre sua
moral também são formas de abuso.
É comum também que as empresas, grandes ou
pequenas, tomem atitudes como estimular a competitividade e individualismo,
discriminando por sexo: cursos de aperfeiçoamento e promoção realizada
preferencialmente para os homens, discriminar salários entre funcionários que
exercem a mesma função ou remunerar melhor um funcionário com função inferior,
além de não seguir a regulamentação e o piso salarial de cada profissão,
estabelecida pelo Ministério do Trabalho pode acarretar processos à empresa e
penas de reclusão.
Comum, o desvio de função como: mandar limpar banheiro,
fazer cafezinho, limpar posto de trabalho, pintar casa de chefe nos finais de
semana é caracterizado como crime. Considerado ainda um tipo de assédio e abuso
moral grave, é não fornecer ou retirar do funcionário todos os instrumentos de
trabalho, impedindo-o de realizar, conforme determina a empresa, a sua função.
Demitir os adoecidos ou acidentados do trabalho também é bastante grave e
configura abuso.
O que fazer?
Especialistas sugerem que as vítimas de assédio moral devem anotar
com detalhes todas as humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora, local ou
setor, nome do agressor, colegas que testemunharam conteúdo da conversa e o que
mais você achar necessário). Outra sugestão é que estes busquem a ajuda dos
colegas, principalmente os que testemunharam o fato ou já sofreram humilhações
do agressor. “Sugiro também que evitem conversar com o agressor sem
testemunhas.
Quando for necessária uma conversa, levar sempre um colega de
trabalho ou representante sindical. Também exigir, por escrito, explicação do
ato agressor e permanecer com cópia da carta enviada ao departamento de pessoal
ou Recursos Humanos e da eventual resposta do agressor”, sugere a estudante de
psicologia, Cássia.
Procurar o sindicato e relatar o acontecido para diretores
e outras instâncias como: médicos ou advogados do sindicato assim como:
Ministério Público, Justiça do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos e
Conselho Regional de Medicina por ser um caminho, ou ainda recorrer ao Centro
de Referencia em Saúde dos Trabalhadores e contar a humilhação sofrida ao
médico, assistente social ou psicólogo. “Buscar apoio junto a familiares,
amigos e colegas, pois o afeto e a solidariedade são fundamentais para
recuperação da autoestima, dignidade, identidade e cidadania”, finaliza a
estudante.